ética digital

Ética digital na internet brasileira

Este artigo é um resumo do trabalho de conclusão de curso "Ética digital e a moderação de conteúdo na internet brasileira" do programa de Pós-graduação em Direito Eletrônico da Faculdade Venda Nova do Imigrante. - Conteúdo protegido pela Lei 9.610/98, que regula os direitos autorais tanto artísticos quanto acadêmicos. A violação dos direitos aurorais é CRIME previsto no Art. 184 do Código Penal.

De acordo com o relatório sobre Liberdade na Rede elaborado pela Freedom House (2021) a internet no Brasil é considerada parcialmente livre e ocupa o 21o lugar no ranking entre 65 países analisados, anualmente.

As principais razões, evidenciadas pelo relatório Freedom House, seriam a desinformação, iniciativas legislativas problemáticas e ameaças judiciais que têm sido frequentemente utilizadas, principalmente por políticos e autoridades, para restringir a circulação de conteúdo que os critica.

Diante dessa problemática, é preciso desenvolver no Brasil uma ética digital como ferramenta para a harmonia da convivência na internet e o fortalecimento da democracia, considerando que a moderação de conteúdo pode, eventualmente, se tornar excessiva quando atinge direitos fundamentais ou muito permissiva, quando não tipifica condutas lesivas à sociedade.

Ética digital

A eticidade, um dos três princípios fundamentais do código civil de 2002, tem a sua etimologia na palavra ética, que em latim ethica e do grego ethos, significa um conjunto de regras, condutas e princípios fundamentados na moral e que devem ser seguidos na vida profissional e privada das pessoas (REINERH, Rosimeire, 2013).

Segundo o filósofo Clóvis de Barros Filho, a ética vai muito além de respeitar ou não uma norma estabelecida, sendo então, um hábito de respeito pela presença e pela vida do outro, a ética é uma luta coletiva, uma espécie de inteligência compartilhada que busca uma convivência humana mais justa.

Trazendo esses conceitos para o contexto da vida em sociedade no ambiente virtual, a ética digital pode ser compreendida como uma conduta que um usuário deve ter no exercício da cidadania digital, para que suas ações ou omissões não prejudiquem outros usuários e a própria rede.

” a ética digital pode ser compreendida como uma conduta que um usuário deve ter no exercício da cidadania digital, para que suas ações ou omissões não prejudiquem outros usuários e a própria rede.”

Comportamento digital brasileiro

Um estudo anual intitulado de Global Digital Report, mapeou os hábitos dos usuários da internet em mais de 220 países e territórios, e estimou que em 2020 já haviam 4,6 bilhões de internautas. De acordo com o estudo, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial com relação aos usuários que passam mais tempo conectados, atingindo a média de 10hs e desse total, os brasileiros passam em média 3 horas e 42 minutos dedicados às redes sociais.

Ou seja, o homem médio no Brasil, passa mais tempo conectado do que dormindo e parte considerável de sua rotina é consumindo notícias ou em redes sociais.

Diante desse contexto e de uma sociedade tecnológica globalizada, emergem diversos problemas que são impulsionados por dois fenômenos: a infodemia e a desinformação.

A infodemia ocorre quando há um volume excessivo de informações que se multiplicam e se propagam de forma exponencial (ABL, 2021) enquanto que “o termo desinformação é comumente usado para se referir a tentativas deliberadas (frequentemente orquestradas) para confundir ou manipular pessoas por meio de transmissão de informações desonestas.” (UNESCO, 2018).

Neste contexto, (MAGGIOLINI, 2014, v.54, p. 585-591) evidencia que “[…] a seleção das informações e do conhecimento passa a ser, em grande parte, de responsabilidade do usuário”.

Mas para que ocorra essa responsabilização, é necessário que o Estado promova educação digital como ferramenta de prevenção e que também elabore mecanismos adequados para a efetivação da lei sem ferir direitos e garantias fundamentais.

Liberdade de expressão e moderação digital

Na conjuntura dos avanços tecnológicos e democratização do acesso a internet, o direito digital possui papel fundamental na aplicação de suas regulações às relações jurídicas no ambiente digital, uma vez que tem como uma de suas bases o Marco Civil da Internet que, por sua vez, tem em seu artigo 2o o respeito à liberdade de expressão como fundamento do uso da internet no Brasil.

Não obstante, no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos temos expresso que “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão”.

Já na Constituição Federal, a liberdade de expressão está amparada nos princípios fundamentais do artigo 50, parágrafo IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” enquanto que o artigo 220, nos traz que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” ao mesmo tempo que veda no § 2ª toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Observa-se que ainda que resguardados por cláusula pétrea, os direitos fundamentais não são intangíveis e a liberdade de expressão possui restrição no próprio texto constitucional. Esse limite também é evidenciado no código civil, instrumento basilar para o direito digital, que em seu artigo 187 elenca “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Na internet, a depender do tema, o debate pode facilmente ultrapassar os limites da lei em discussões acaloradas uma vez que, qualquer tentativa de apresentar argumentos racionais, por vezes, desperta instintos selvagens, julgamentos e ações de contra-ataque em um evidente desafio ao direito de se expressar livremente.

Eis que nasce um sistema de censura criado pelos próprios usuários que ao discordarem de condutas morais, opiniões pessoais ou até mesmo do silêncio alheio, aplicam a punição do cancelamento.

Considerada o “termo do ano” em 2019, a palavra “cancelamento” configura-se entre as expressões que mais moldaram o comportamento humano (Dicionário Macquarie, 2019) e que se efetiva através da cultura do cancelamento ao realizar um ataque em massa à reputação de um indivíduo, marcas ou empresas, com o objetivo de prejudicar os meios de subsistência atuais e futuros do cancelado (BBC News, 2020).

Silenciar, evitar discussões necessárias ou reprimir-se não é saudável socialmente, psicologicamente, tão pouco para a construção de uma democracia forte. Ainda que seja em prol de uma “paz momentânea” que não discute nem entra em atritos, o conflito é parte inevitável da natureza humana (Chiavenato, 2004).

Ambientes digitais livres de moderação

Como educar uma sociedade sem que haja diálogo?

Apenas punir, silenciar ou cancelar pode soar mais como um instrumento de censura e punição inconstitucional do que um ato educativo e democrático, ainda que se tenha por objetivo, o justo combate ao discurso de ódio e desinformação na internet.

Sob a promessa de ambientes digitais livres de moderação, baseados na descentralização, liberdade e privacidade, diversas redes alternativas foram e continuam sendo criadas. Como por exemplo é o caso da MINDS que se auto-intitula “anti-facebook” e que promete pagar para o usuário criar conteúdo, direcionar tráfego e indicar amigos e ainda estabelece que “Você só pode mudar a opinião de alguém se fornecer uma plataforma para falar isso” (MINDS, 2021, grifo nosso).

Num tom mais político, o Gettr se autodefine como uma nova plataforma de rede social fundamentada nos princípios da liberdade de expressão, pensamento independente e na rejeição de censuras políticas e da “cultura de cancelamento”.

Em contrapartida, temos o WeChat que é um fenômeno da China, causado justamente pela censura do governo comunista chinês, a rede social encanta por sua oferta repleta de comodidades que despertam interesse dos brasileiros mais desatentos, que costumeiramente tem a conduta digital negligente em não ler os termos de uso.

E está lá, exatamente nos termos de uso, o desencanto no WeChat que pode “preservar, divulgar e reter suas informações por um longo período de tempo”.

Com isso, os usuários podem ter expostos nome, e-mail, número de contato e até mesmo sua localização, algo que vai totalmente contra a legislação brasileira no que tange à privacidade e proteção de dados pessoais, regulada pela Lei 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

“A vida em sociedade no ambiente digital brasileiro carece de uma ética digital que por iniciativa do Estado e por meio da educação, possa ser desenvolvida para o fortalecimento da democracia. Além disso, a regulamentação da moderação de conteúdo na internet, deve fundamentalmente, respeitar o código supremo, para assim evitar arbitrariedades, abusos de poder e até mesmo a justiça do “olho por olho, byte-por-byte”.

Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet

No Brasil há avanços no sentido de coibir entraves à liberdade de expressão com o cerceamento de legítimos discursos e conteúdos, por meio da regulamentação do Marco Civil da Internet para impedir que as plataformas moderem conteúdos sem ordem judicial.

O Projeto de lei 2630/2020 – Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet, popularmente conhecida como PL das Fake News, foi recebido com muitas críticas desde que seu texto foi apresentado. O PL conta com mais de 75 projetos de lei apensados, tratando de diversos assuntos relacionados à desinformação ou regulação de plataformas digitais (SENADO, 2021).

Em audiência pública, um amplo debate por diversos setores representativos da sociedade como especialistas em Direito Digital, Privacidade e proteção de dados, Inteligência Artificial, Provedores de conteúdo e Segurança da informação também se manifestaram.

Como por exemplo, o diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko ao dizer que “Quanto maior a liberdade, maior a responsabilidade”, ponderando ainda que “Plataformas, como clubes, têm normas de conduta. Mas estas normas não podem se sobrepor à Constituição”. (Agência Câmara de Notícias, 2021).

Neste sentido, o consenso entre os debatedores na audiência pública da Câmara dos Deputados, foi que o PL das Fake News precisa ter foco na punição do autor da desinformação, não na plataforma em que é publicada.

O STF tem atuado enfaticamente no que tange aos limites à liberdade de expressão por meio do Inquérito (INQ) 4781, popularmente conhecido como Inquérito das Fake News. Como relator do inquérito, o Ministro Alexandre de Moraes, desde 2020, tem proferido dezenas de mandados de busca e apreensão e até mesmo de prisões, além do bloqueio de contas em redes sociais e ultrapassando dos recursos que lhe cabe, determinou a remoção de conteúdo em jornais, gerando preocupação em toda sociedade brasileira diante de uma concentração excessiva de poder no Supremo.

Entidades da socidade civil, como associações de jornalistas, promotores de justiça, militares, Ordem dos Adgogados do Brasil (OAB), bem como membros do Executivo, do Legislativo e do próprio STF, consideram a postura de Moraes como atos de censura à liberdade de expressão (Correio Braziliense, 2020).

O processo de verificação de fatos não é capaz de mudar opiniões, da mesma forma que a regulação também tem limites nos seus efeitos esperados. Portanto, é na liberdade e no poder de escolha do usuário que se legitima a sua responsabilidade e ao apoiar-se num princípio de ética digital, a verificação da veracidade de uma notícia, evidencia mais do que um ato de cidadania digital, busca também resguardar a própria liberdade de expressão.”

Foto de Kristina Flour na Unsplash

BIBLIOGRAFIA
1 PUCPR Digital, webinar ao vivo sobre Ética com Professor Clóvis de Barros Filho, abril de 2020

2 ITSRIO, Cursos abertos, Curso: Liberdade de Expressao na Internet e Regulação, Janeiro/2021

KADIX, Carolina. Ética Digital e a moderação de conteúdo na iInternet brasileira - Faculdade Venda Nova do Imigrante, Programa de Pós-Graduação em Direito Eletrônico, 2021.

REINERH, Rosimeire. Os princípios orientadores do novo Código. Revista Âmbito Jurídico. maio.2013, Caderno Direito Civil, Ed. 112. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/os-principios-orientadores-do-novo-codigo/>

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